Uma diarista denunciou a patroa à Polícia Civil por ter sofrido
racismo e agressão física num apartamento em Piedade, bairro nobre de
Jaboatão dos Guararapes, no Grande
Recife. De acordo com a vítima, que está grávida, as agressões aconteceram após a
patroa se recusar a pagar o
valor combinado pelo serviço.
O caso é investigado como injúria racial, lesão corporal e ameaça. As
agressões aconteceram na quinta-feira (23), na frente da filha da diarista,
uma criança de 2 anos. Um vídeo gravado pela vítima mostra a
violência.
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Kássia da Silva, de 26 anos, contou que, por estar grávida de três meses,
decidiu deixar o trabalho após quatro dias de expediente, por não aguentar
fisicamente.
Kássia é mãe de quatro crianças e possui formação como auxiliar de
dentista, mas trabalha como diarista para sustentar a casa. Ela conta que
combinou o serviço de diarista por um aplicativo. A dona do apartamento,
Cibele Aspasias, teria que pagar R$ 150 por dia. O g1 tentou, mas não
conseguiu contato com a suspeita.
Segundo Kássia, Cibele teria pedido que ela dormisse no local, com a
promessa de que pagaria R$ 1,5 mil por mês. Além disso, ela tinha uma hora
de almoço e não podia se alimentar fora desse período.
"Eu só comia a partir das 11h. Eu não aguentava, e também tinha levado a
minha fila de colo, porque não tinha com quem deixar. Uma vez, perguntei se
tinha algo para comer, e ela disse: 'tem dois pães ali na geladeira, mas
estão mofados. Se quiser, compro outro pão'", contou.
A diarista contou que trabalhava das 5h às 21h30, e que, ao contrário do
combinado, não ficou responsável apenas pela limpeza do local, mas também
por cuidar dos dois filhos de Cibele.
A doméstica também diz que, no dia em que saiu, limpou o apartamento, mas,
ao avisar a patroa que não conseguiria mais continuar com o serviço, foi
xingada e ameaçada.
"Ela começou a desarrumar a casa, jogar as coisas no chão e dizer que
estava sem dinheiro. [...] Eu fiquei arrasada, me senti um nada. Fui porque
eu estava precisando", disse Kássia.
Ainda de acordo com a diarista, Cibele a ofendeu com ataques racistas,
dizendo que ela era uma "negra macaca" e que "gente da cor dela não sabia
fazer nada e que não presta para nada".
"Liguei [para a polícia] e coloquei no viva-voz, e ela disse 'você vai se
arrepender'. Ela surtou, deu um tapa em mim e tomou meu telefone, dizendo
que ia quebrar", contou Kássia.
A jovem disse que recuperou o telefone após o pai de Cibele intervir e
começou a filmar a discussão. Nas imagens, é possível ver e ouvir a filha de
Kássia chorando e as duas mulheres gritando uma com a outra.
Em um momento, Cibele dá um tapa em Kássia, que estava sentada no sofá com
a filha no colo.
"O pai dela abriu a porta, me colocou no elevador e me deu R$ 15 reais. A
PM tinha chegado, mas ela se recusou a ir à delegacia", disse. Além desse
valor, a patroa também deu R$ 10 à diarista, totalizando R$ 25 recebidos
pelos quatro dias de trabalho.
Sem receber o pagamento pelo serviço prestado, Kássia registrou um boletim
de ocorrência na Delegacia de Piedade.
De acordo com a advogada Bianca Carvalho, que representa Kássia, além dos
crimes de racismo e lesão corporal, eles também vão entrar com uma ação por
danos morais na Justiça do Trabalho.
"Ela trabalhava numa jornada de trabalho extraordinária e impedida de se
alimentar fora do horário de almoço, só podendo jantar se houvesse sobras do
almoço", afirmou a advogada.
Ainda de acordo com a defesa, a patroa e as testemunhas só serão ouvidas na
primeira semana de dezembro, e Kássia não tem contato com os
ex-patrões.
“Não vamos deixar a voz do preconceito falar mais alto. O racismo não pode
fazer parte da nossa cultura. Espero que Kássia tenha encorajado outras
pessoas a denunciarem atos racistas", afirmou a advogada.
De acordo com a Polícia Civil, um inquérito policial foi instaurado e está
sob a coordenação do delegado titular da Delegacia de Piedade, Samuel
Basílio. A corporação também afirmou que "outras informações poderão ser
repassadas em momento oportuno".